REINALDO JOSÉ LOPES
da Folha de S.Paulo
Uma bactéria usada há 8.000 anos na fabricação de queijo e manteiga está prestes
a ganhar uma nova função: ajudar a combater o HPV, vírus responsável pela maior
parte dos casos de câncer do colo do útero. Cientistas franceses transformaram o
micróbio, chamado Lactococcus lactis, numa "vacina viva".
Os últimos resultados desse projeto foram apresentados durante o 48º Congresso
Nacional de Genética, que aconteceu em Águas de Lindóia (interior de São Paulo).
De acordo com Yves Loir, pesquisador do Inra (Instituto Nacional de Pesquisa
Agronômica, na sigla em francês), o desempenho da bactéria-vacina já está sendo
testado em camundongos.
Loir diz que o micróbio também está sendo modificado geneticamente para
produzir interleucina-12 --uma substância usada para combater determinadas
formas de câncer.
Velho aliado
O Lactococcus lactis é conhecido da humanidade desde que esta aprendeu a criar
derivados do leite: a ação fermentadora da bactéria é essencial para a fabricação
de diversos laticínios.
Uma série de características do micróbio o tornam um bom candidato para o papel
de vacina viva: ele não causa doenças e convive bem com o organismo humano.
Diariamente, uma pessoa ingere 109 (o número 1 seguido de nove zeros) bactérias
desse tipo.
Adaptado ao organismo humano, o L. lactis consegue colonizar o trato digestivo e o
interior da vagina --coincidentemente, a região mais visada pelo vírus.
Perigo comum
O HPV (abreviação inglesa de papilomavírus humano) é bastante comum. A OMS
(Organização Mundial da Saúde) calcula que entre 10% e 20% da população
sexualmente ativa do planeta o carregue no organismo.
O vírus, porém, está longe de ser inofensivo: ele é a causa de quase todos os casos
de câncer do colo do útero e também está envolvido nos cânceres de pênis, ânus e
reto (a parte final do intestino grosso).
O HPV pode causar câncer porque, como todos os vírus, ele mistura seu código
genético ao das células humanas que infecta, "sequestrando" o maquinário celular
para produzir mais cópias de si mesmo. Nesse processo, os genes da própria célula
saem dos eixos --e aí é que pode surgir o câncer.
A idéia dos pesquisadores franceses é preparar o organismo para uma eventual
chegada do HPV (que é transmitido nas relações sexuais) com a ajuda do L. lactis.
Para isso, eles modificaram geneticamente a bactéria para que ela produzisse a E7,
uma proteína do vírus. "Suspeita-se que ela esteja envolvida no embaralhamento
do ciclo celular", explica Loir.
O micróbio modificado secreta a proteína no organismo do hospedeiro, induzindo
uma reação do sistema imune. Se o HPV verdadeiro entrasse em contato com o
organismo, ele seria capaz de reconhecer a proteína e reagir rápida e eficazmente
contra o vírus.
Antes disso, diz Loir, "ainda temos muito trabalho a fazer". Um dos dilemas dos
pesquisadores é saber se seria mais eficaz uma vacina oral ou outra que fosse
aplicada diretamente na vagina.
"Nesse caso, você induziria a imunidade na mucosa que é afetada pelo HPV", diz
Vasco Azevedo, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), pesquisador que
trabalha em parceria com Loir e seus colegas do Inra. Um grupo de cientistas
mexicanos está testando as diferentes abordagens em camundongos.
Progresso em bovinos
Enquanto o veredicto sobre a vacina contra o HPV não sai, Azevedo e Sérgio Costa
Oliveira, também da UFMG, estão conseguindo bons resultados usando o L. lactis
para fazer uma "vacina viva" contra brucelose, doença causada pela bactéria
Brucella que faz as vacas abortarem, dando prejuízos da ordem de R$ 100 milhões
à pecuária no Brasil.
"Os testes feitos até agora em bovinos têm funcionado", afirma Azevedo, cujo
grupo inseriu no DNA do L. lactis os genes que codificam as proteínas L7 e L12,
típicas da Brucella e responsáveis por induzir uma resposta imune nos bovinos
vacinados.
Com os problemas de fiscalização e os abatedouros clandestinos no país, não é
incomum que carne contaminada com a bactéria chegue ao mercado, o que pode
gerar problemas cardíacos se a carne for consumida.
da Folha de S.Paulo
Uma bactéria usada há 8.000 anos na fabricação de queijo e manteiga está prestes
a ganhar uma nova função: ajudar a combater o HPV, vírus responsável pela maior
parte dos casos de câncer do colo do útero. Cientistas franceses transformaram o
micróbio, chamado Lactococcus lactis, numa "vacina viva".
Os últimos resultados desse projeto foram apresentados durante o 48º Congresso
Nacional de Genética, que aconteceu em Águas de Lindóia (interior de São Paulo).
De acordo com Yves Loir, pesquisador do Inra (Instituto Nacional de Pesquisa
Agronômica, na sigla em francês), o desempenho da bactéria-vacina já está sendo
testado em camundongos.
Loir diz que o micróbio também está sendo modificado geneticamente para
produzir interleucina-12 --uma substância usada para combater determinadas
formas de câncer.
Velho aliado
O Lactococcus lactis é conhecido da humanidade desde que esta aprendeu a criar
derivados do leite: a ação fermentadora da bactéria é essencial para a fabricação
de diversos laticínios.
Uma série de características do micróbio o tornam um bom candidato para o papel
de vacina viva: ele não causa doenças e convive bem com o organismo humano.
Diariamente, uma pessoa ingere 109 (o número 1 seguido de nove zeros) bactérias
desse tipo.
Adaptado ao organismo humano, o L. lactis consegue colonizar o trato digestivo e o
interior da vagina --coincidentemente, a região mais visada pelo vírus.
Perigo comum
O HPV (abreviação inglesa de papilomavírus humano) é bastante comum. A OMS
(Organização Mundial da Saúde) calcula que entre 10% e 20% da população
sexualmente ativa do planeta o carregue no organismo.
O vírus, porém, está longe de ser inofensivo: ele é a causa de quase todos os casos
de câncer do colo do útero e também está envolvido nos cânceres de pênis, ânus e
reto (a parte final do intestino grosso).
O HPV pode causar câncer porque, como todos os vírus, ele mistura seu código
genético ao das células humanas que infecta, "sequestrando" o maquinário celular
para produzir mais cópias de si mesmo. Nesse processo, os genes da própria célula
saem dos eixos --e aí é que pode surgir o câncer.
A idéia dos pesquisadores franceses é preparar o organismo para uma eventual
chegada do HPV (que é transmitido nas relações sexuais) com a ajuda do L. lactis.
Para isso, eles modificaram geneticamente a bactéria para que ela produzisse a E7,
uma proteína do vírus. "Suspeita-se que ela esteja envolvida no embaralhamento
do ciclo celular", explica Loir.
O micróbio modificado secreta a proteína no organismo do hospedeiro, induzindo
uma reação do sistema imune. Se o HPV verdadeiro entrasse em contato com o
organismo, ele seria capaz de reconhecer a proteína e reagir rápida e eficazmente
contra o vírus.
Antes disso, diz Loir, "ainda temos muito trabalho a fazer". Um dos dilemas dos
pesquisadores é saber se seria mais eficaz uma vacina oral ou outra que fosse
aplicada diretamente na vagina.
"Nesse caso, você induziria a imunidade na mucosa que é afetada pelo HPV", diz
Vasco Azevedo, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), pesquisador que
trabalha em parceria com Loir e seus colegas do Inra. Um grupo de cientistas
mexicanos está testando as diferentes abordagens em camundongos.
Progresso em bovinos
Enquanto o veredicto sobre a vacina contra o HPV não sai, Azevedo e Sérgio Costa
Oliveira, também da UFMG, estão conseguindo bons resultados usando o L. lactis
para fazer uma "vacina viva" contra brucelose, doença causada pela bactéria
Brucella que faz as vacas abortarem, dando prejuízos da ordem de R$ 100 milhões
à pecuária no Brasil.
"Os testes feitos até agora em bovinos têm funcionado", afirma Azevedo, cujo
grupo inseriu no DNA do L. lactis os genes que codificam as proteínas L7 e L12,
típicas da Brucella e responsáveis por induzir uma resposta imune nos bovinos
vacinados.
Com os problemas de fiscalização e os abatedouros clandestinos no país, não é
incomum que carne contaminada com a bactéria chegue ao mercado, o que pode
gerar problemas cardíacos se a carne for consumida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário